segunda-feira, setembro 5

60 minutos

Este foi um dos meus dias. A minha casa tem vida própria, e há coisas que não sabemos explicar sem magoar um pouco (e o sentido desta ironia, alguém o conhece?).
Sinto que assim está mal, e tento dizer melhor - e por vezes sou mesmo capaz! Tantas vezes tal não sucede, e finjo entender semelhante loucura.
Aceito-a, não sei porquê. Depois haverá sempre inúmeras variáveis que não conseguimos calcular. O instinto surripia-nos o suposto livre arbítrio, e divagamos sobre a nossa "opção".
Eu gosto de optar, mas sou um ser altamente instintivo. As cores, as emoções e a justificação razoável, suportam o que o raciocínio não escolheu.


Há coisas que não fazem sentido, o mundo gira apesar de tudo. Podemos esconder quem somos mas não é possível guardar em nós o que fomos.

Tudo tem o seu valor, e o que trazemos do passado connosco, o que recordamos perante um qualquer aroma... nunca vos aconteceu? No meio do escritório, parei e recordei algo precioso do meu passado.


Depois disto, não restariam muitas palavras. Puro Engano!

Sedutora experiente, a saudade do nada traduz-se num amor a tudo o que nos é próximo. Esses somos nós, sem embustes. Não nos serena o correr do rio sem antes deitar e abraçar o nosso amor.

Trago comigo a espada da minha razão, e ergo-a com vontade tal que não pode ser só minha. O que me desperta a atenção por vezes, não se vê. Sinto que o que vos escapa, inibe tal vontade.

Ousem olhar o Diabo nos olhos, contemplá-lo e vociferar rancores desconhecidos, destruir os limites. Lutem contra o óbvio, desmontem a rotina e ajam com vontade, com garra, com determinação.

O mundo é o meu parque infantil.



Antigamente, tinha um quarto só para mim. O sol nascia, eu abria as janelas e depois abria e prendia as portadas da janela. Fazia a cama e vestia-me. Ao calçar-me, junto das minhas belas botas pretas e bem curvas na ponta apontando para o ar, via sempre um poema de Kipling que ali colara.

Ao lado também colada, tinha a mais bela tradução em Português que encontrei do mesmo poema. E espantem-se o mais incautos, a tradução parecia tão simples e óbvia, que nada se perdia do Inglês para o Português.

Nem todos os dias a li, mas todos os dias da vida me tem inspirado:




Ainda noutros tempos, mas em habitats diferentes, recordo os discos de vinil enquanto a minha avô engomava. Lembro-me de ouvir músicas que hoje significam muito mais, porque ali as ouvi.

O passado constrói-se hoje, isso é o que interessa recordar sempre. Deus reside nos detalhes assim como o Diabo se esconde em pormenores.

Não encontrei esta música pela voz do grande António Mourão, na versão que eu conhecia e ouvi centenas de vezes na minha juventude (para meu próprio espanto), mas aqui fica o testemunho possível desses inqualificáveis tempos.



Tenho tanto mais para dizer, para contar, quanto mais os anos passam. Mas teria então de mudar o título deste post para 1000 minutos, e deixar os sons ecoar dias fora, que as minhas palavras não valeriam o tempo de serem lidas.

Como ouso tentar resumir, peço ao tempo que volte para trás jamais, não me dês a vida que já vivi. A saudade que espere, não me tragam o que já tive, eu vivo para recordar, ainda que até o próprio sol, volte todas as manhãs! :)

Eu disse que ousaria.

Hoje mesmo, criem a oportunidade, ouçam serenamente com os ouvidos de quem escuta um grão de areia tombar, mas ouçam.. as vossas e nossas raízes, ouçam o vento, o beijo, o estalar da fogueira. Ouçam o mar, uma poesia.. ouçam novas palavras, o canto dos meninos ou das sereias, a vossa voz, as próprias estrelas.



"Almas vencidas, noites perdidas, sombras bizarras
na mouraria canta o rufia, choram guitarras.
Amor ciúme, cinzas e lume, dor e pecado.
Tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é fado
Amor ciúme, cinzas e lume, dor e pecado.
Tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é fado"

Assim se faz o passado.

Quando qualquer ser sublime se desvanece, outras entidades renascem. Amo a saudade, digo-te agora.

Vejo-vos regozijar em poças de lama, ufanos... (pausa para aceitar o facto de que o dicionário desconheça esta palavra... após bater com a cabeça três vezes na estante, consigo lidar com a situação e adicioná-la calmamente)... vejo-vos dizia, vociferar obscenidades em extremo fervor, e sabeis tão pouco quem sois. Reconheço-vos pelo olhar, pelo andar, pelo falar. Ah! Pelo falar sempre vos reconheci em todo o lado, desde criança que assim tem sido.

Está na hora, ouço pegadas aceleradas na minha direcção. Agita-se o ambiente, há algo no ar. Uma pequena cadelinha fica algo mais irrequieta. As moscas fervilham e esvoaçam mais rapidamente. O sonoro palpita calorosamente, já não há ruídos e isso é inspirador.

Um cavalo grande e negro, pasta aqui mesmo ao lado neste instante. Tenho um apito tão agudo no meu cérebro que mal ouço os cascos no chão rijo, poeirento e seco. Estou sentado a escrever, e só isso é real. Um apito também o é.. e os passos finalmente são concretizados, ouço-as bater, o som da fechadura que abre, um ou outro beijo, sem ruídos.

Lamento não terminar, não o sei ainda dizer. O tempo me trará algumas respostas e muito mais perguntas. Pairo sobre um oceano feio, cheio de amargura e azedume, onde o cheiro é fétido e putrefacto. Não sei mais sentir de forma diferente, pairo e não sei pousar. Não quero! Por vezes vislumbro algo belo, e aí me detenho por instantes.

Pairo sobre, distante, não sei nem quero descer, e embalo-nos numa melodia de harpa durante os momentos que partilhamos.